domingo, 22 de agosto de 2010

"Eu te amo"

A expressão "eu te amo"
( Hélio Consolaro* )

Marisa Monte canta uma música que se chama "Amor I love you". Os primeiros versos dizem: "Deixa eu dizer que te amo/ Deixa eu pensar em você". As pessoas mais preocupadas com a gramática me perguntam se não há um erro de uniformidade de tratamento, já que o primeiro verso trata o interlocutor de TE e o segundo de VOCÊ. Segundo a gramática tradicional, além desse erro há outro.
Em anúncios idílicos, nesta Folha, quando pessoas declaram seu amor publicamente, deparo com a expressão: "Você é a minha vida. Eu te amo muito." Mudar para "Eu a amo" ou "Eu o amo" é tirar a espontaneidade da mensagem.
Para não ferir os ouvidos dos puristas e nem artificializar o texto, opto por colocar a expressão "te amo" entre aspas.
Na verdade, "eu te amo" é uma expressão cristalizada, cheia de carga emotiva. Além disso, VOCÊ é o substituto de TU no português vivo. Na gramática tradicional, ficaria assim: Deixa-me dizer que te amo/ Deixa-me pensar em ti. Perderia todo o coloquialismo proposto pela música.
"Amor I love you" tem música e letra de Carlinhos Brown e Marisa Monte e termina com um trecho do livro "O Primo Basílio", de Eça de Queirós, lido por Arnaldo Antunes. Gente de boa formação. A música não é nenhum pagode de fundo de quintal. O "erro" foi intencional, como diziam os parnasianos: trata-se de uma licença poética.
Afinal, a primeira geração do Modernismo brasileiro (1922-1930) tinha como proposta aproximar a literatura da linguagem do cotidiano.
O outro erro. A construção DEIXA-ME DIZER QUE TE AMO é a única considerada certa pela gramática tradicional. Quando se têm os verbos MANDAR, FAZER, SENTIR, DEIXAR, OUVIR e VER seguidos de outro verbo no infinitivo, o pronome que aparece ali exerce duas funções sintáticas ao mesmo tempo. Ele é objeto direto do primeiro verbo (deixar) e é sujeito do verbo no infinitivo (dizer).
Segundo o lingüista Marcos Bagno, as pesquisas lingüísticas têm demonstrado é que "o português do Brasil, ao contrário do português de Portugal, dá mais destaque aos sujeitos das orações do que aos objetos. Na língua dos brasileiros, é muito comum apagar os objetos e explicitar os sujeitos. Na língua dos portugueses, é justamente o contrário: eles preferem apagar os sujeitos e explicitar os objetos. Essa é uma das muitas diferenças que existem entre a língua do Brasil e a língua de Portugal".

*Hélio Consolaro é cronista da Folha da Região, Araçatuba, professor de Português do Ensino Médio, autor de três livros e membro da Academia Araçatubense de Letras.
Pesquisando por aí sobre Literatura (como sempre faço), encontrei o site http://www.portrasdasletras.com.br/pdtl2/sub.php?op=literatura/index de onde tirei esse texto interessantíssimo. Aconselho a todos darem uma espiadinha porque o site realmente é muito bom!

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