"É a hora em que o sino toca,mas aqui não há sinos:
há somente buzinas, sirenes roucas, apitos
aflitos, pungentes, trágicos,
uivando escuro segredo; 
desta hora tenho medo.
É a hora em que o pássaro volta, 
mas de há muito não há pássaros;
só multidões compactas 
escorrendo exaustas 
como espesso óleo
que impregna o lajedo;
que impregna o lajedo;
desta hora tenho medo. 
É a hora do descanso 
mas o descanso vem tarde,
o corpo não pede sono, 
depois de tanto rodar; 
pede paz - morte - mergulho 
no poço mais ermo e quedo; 
desta hora tenho medo.
Hora de delicadeza,
Gasalho, sombra, silêncio. 
Haverá disso no mundo?
É antes a hora dos corvos, 
bicando em mim, meu passado, 
meu futuro, meu degredo;
desta hora, sim, tenho medo."
((Carlos Drummond de Andrade))

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